(This is a line by line prose translation, not intended as stand-alone poetry, but as an aid to readers for whom English is a second language.)
Translation by Joao Silva
Ciência, Amor e Revolução
David Morgan
Copyright © 2013 David Lee Morgan
All rights reserved.
ISBN-13:
978-1491256947
ISBN-10:
149125694X
Dedicatória
À minha irmã mais velha, Bri
Índice
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O conto do tigre | Pg 1 |
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Palavra | Pg 2 |
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Egipto | Pg 5 |
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Bala | Pg 8 |
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Duh-mockracy | Pg 10 |
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A Era do Iluminismo | Pg 12 |
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Mercado Besta | Pg 18 |
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Pai Natal | Pg 21 |
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Sansão | Pg 24 |
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O que fazer | Pg 28 |
O CONTO DO TIGRE
Eu sonhei que um tigre e eu estávamos lado a lado
E que o ar estava vivo com a música dos nossos corações batendo
Esta é a minha tigresa, disse eu. Não é bonita?
Os seus dentes cortam como diamantes, mas brilham como estrelas
Depois a tigresa ronronou, o ronrom tornou-se num rugido
O rugido transformou-se numa palavra, o tempo para dançar é…agora!
Palavra
[urro, sons de primata]
MÃO!
hunh, ha, hey, ho
eh, ih, ah, ew
eee, ay, iy, oh
FERRAMENTA!
pah, buh, duh,
tig, ga, nuh,
kuh, juh, le,
suh, muh , chuh
r-r-r-r-r-r-ragh, zuh, vuh
FOGO!
[gargalhada]
PALAVRA!
Mãe banana baga escaravelho comida inhame
irmã tio irmão pai primo parentesco clã
impala macaco chita peixe-gato
arco e flecha anzol e linha
fome morte desejo
dança sonho lua vento
lobo inimigo cão amigo
pele de animal obsidiana concha
rio lago oceano, troca barco roda
foice represa arado, painço arroz milho
canal
cabra cavalo gado vaca, sacerdote rei cidade muro
prisão escravo mulher, estrada exército império
sacrifício ritual
planeta alfabeto tábuas rolo
número círculo triângulo estrela
festival templo diamante ouro
papel dinheiro poesia guerra
castelo reino peregrino papa
natividade comunhão jihad hégira
senhor e dama servo e fora-da-lei
feira catedral catapulta cruzada
bússola telescópio sextante astrolábio
pirata cana-de-açúcar descaroçador de algodão comércio de escravos
prensa protesto guilhotina barricada
fábrica fundição ford-T monopólio
gasolina cafeína telefone saxofone
buraco negro rockn’roll blue-suede comércio-livre
cimento wall-street crimes de guerra piquete grevista
colónia empresa contracepção insurreição
hospital chupa-chupa metadona cromossoma
pizzaria gonorreia nagasaki hiroshima
penicilina televisão auschwitz crucifixo
batom turno blog gulag cachorro-quente kalashnikov
microchip clip nave espacial molho de queijo
sangue cérebro demónio ideia
lama anjo razão ikea
amor raiva dor absolvição
vacinação poluição atmosférica
educação evolução
inspiração revolução
perigo liberdade
construção reprodução
Sem nós somos, não há eu sou
o rio era um deus até construirmos uma represa
EGIPTO
Crescendo a partir do rio
Da lama castanho-escura de uma chuvada africana
Crescendo a partir do rio
Nadando nos séculos
Atena Negra do Mundo Antigo
Dançando no triângulo e no quadrado
Pitágoras e astronomia
Moisés e Deuteronómio
Papiro e o hieróglifo
Tentando Platão a sair da caverna
E questionar o universo
Varrido pelos Hicsos,
Romanos e Maometanos
Cristãos e Napoleões, britânicos
E a batalha sem fim
Do vento e do rio, areia e lama
Mãe do Mediterrâneo
O Mar Vermelho, e o Egeu
Vergaram-se sob o peso dos séculos
O cimo castanho de África
Rodeada por uma nova lama negra
Que afoga a Arábia num mar de sangue
E os seres dos ventos se levantam
Ventos do deserto varrendo os continentes
Tremendo o mundo da teia de aranha da
Sky e Fox, BBC, Al Jazeera
Ouçam as crianças
Crescendo a partir do rio
Onde o delta do Nilo canta
Na primavera dos campos de algodão
No lamento da roda a girar
No rugido da fábrica
Nos milhões que desaguam na Praça Tahrir
Cantando “Baoo demana we Baoo Kalaweena”
Vocês roubaram o nosso sangue e os nossos rins
“We Bneshhat Ehna we Ahaleena”
Nós somos as famílias famintas
Vocês deram a nossa terra a estranhos
Vocês negociaram em mentiras e tortura
Vocês comeram sangue e assassínio
Vocês vivem em palácios
Passam por nós de limusina
Voam sobre nós em jactos
Governam-nos como se não passássemos de escravos
Agora levantamo-nos do túmulo
E vocês farão tudo para nos parar
Urnas de voto cheias de cadáveres
Violação e religião criando monstros
E sim, podem matar-nos aos milhões
Mas como iriam viver depois
Quem vos alimentará
Quem escavará os vossos poços de água e petróleo
Quem construirá os vossos carros e palácios
Quem construirá os vossos túmulos magníficos
Nunca nos derrotarão
Carregamos a terra às costas
Abrimos a boca e falamos em chama
Levantamos os olhos e vemos que vocês é que têm medo
Enterrar-vos-emos
E os vossos ossos nutrirão os nossos sonhos
Bala
(Londres, Agosto de 2011)
Bang! do cano de uma arma acelerei
Para dentro do corpo de um homem negro
Dentro do corpo de um negro
BOY BOY BOY
Assume a posição
Afasta as pernas
À frente da tua amiga
À frente da tua mãe
À frente da tua filha e filho
Pôr-te na prisão, sim, e eu mato bastante
Mas melhor, guiar-te-ei na tua própria pena de morte
Eu sou a Guerra ao Terror. És o inimigo interno
Homem ou mulher, alta ou baixo
Nem me mostres o diploma
Está visível na tua pele
És a chama da resistência
Que nunca conseguirá extinguir
És o fogo irado que eu mais temo
Que a verdade, e eu sou o arquétipo do mentiroso
És a luz que incendiou Tottenham
E uma centena de lugares, tão brilhante
Que pôde ser vista através do Mediterrâneo
Eu sou a escuridão expectante
És o põe-te-direito de uma nova geração
És o vidro partido e o passeio levantado
És a praia dourada por baixo, se a conseguires encontrar
Sou o homem na TV chamando-te insensato
Vigio-te
Mudas para cada cor e raça
Comunicas de formas que eu não consigo acompanhar
Sê bravo mil vezes por hora
Mas repara – Eu ainda tenho poder
Sou a bala e a arma. Sou a língua da serpente
Movo exércitos, esvazio barrigas, transformo ossos em pó
Sou uma arca de tesouro de fantasia, prazer e vergonha
Consigo aceder-te ao cérebro mais frequentemente que tu
Corro contigo. É o meu braço
Que incendiou a loja to teu vizinho, os meus dedos
Tens que libertar de um pulso de ferro em torno dos teus pensamentos
Prender-te, guetizar-te, quatro longos dias e noites
Deixando-te largar fogo nos locais errados, afastando-te do certo
A Revolução é um furacão e o vento sopra fortemente
Quando os jovens leões rugem em dor e atacam cegamente
Os chacais escondem-se na savana esperando a sua oportunidade
Até aprenderes a lutar com sabedoria, eu comando a dança
Duh-Mockracy
Na Idade Média
Havia uma coisa chamada
A Igreja
E era o seu trabalho dizer-vos a vontade de Deus e o que fazer
Depois Martinho Lutero acertou e disse
Vocês decidem
Mas era demasiado simples e muitíssimo perigoso
Então retrocederam, fizeram mudanças
E inventaram esta coisa chamada
Duh-mockracy!
Quem decide
Duh-mockracy!
Onde Deus é o dono das estações de TV
Deus é o homem com as armas para as tomar
Deus é o homem com o dinheiro para comprar as armas para levar as televisões a convencer a nação que ele é o supositório da revelação divina
Quem decide
Todos votámos e eu votei contra, mas…
Quem decide
Bem, eu não gosto mas não há nada que eu possa fazer…
Quem traça as linhas nos mapas que fazem os cadáveres cair num lado enquanto o outro lado brinca
Duh-mockracy!
Quem traçou as linhas da Palestina
Quem cavou uma vala em torno de um campo petrolífero e chamou-lhe Kuwait
Dizem que não há pacifistas nas filas para gasolina, mas
Quando a maioria vota pela salvação nacional
Quando a maioria vota pela incineração em massa
Quando a maioria vota pela purificação racial
Que se fodam
A ERA DO ILUMINISMO
Je m’appelle Denis Diderot
Sentenciaram-me a 21 anos
De fome contínua e trabalho árduo constante
Agradeci aos juízes e arregacei as mangas
Estávamos a construir um dicionário do mundo
Abarcando tudo relacionado com a curiosidade humana
Naturalmente começámos a cheirar o olho do cu do universo
Onde as flores mais bonitas crescem na merda
Aquele fedor doce, o amor aos calos, mãos ásperas
Prazeres idiotas, uivos de dor, vida faminta morte
Sujeira e excesso, o mundo encarnado, e
Brilhando por dentro, como um nascer do sol
A mente racional
Recolhemos tudo, estudámos o trabalho de cada mão, documentámos todas as habilidades, empenhámos as grandes mentes do nosso continente, agrupámos tudo em caracteres móveis, pusemos prensas a trabalhar dia e noite, expedimos vagões de livros, seguindo merda de mula e rastos de rodas, atravessámos montanhas, evitámos cheias. Somos uma indústria da mente, criando um novo produto, vendendo-lo a todo o género de pessoas – não apenas a padres e a estudiosos – beberam-nos nas casas de chá e nos cafés, e quando abriram as bocas, as nossas palavras saíram, mas numa nova mistura, com o sabor de cada mente, e borbulhou pelas ruas e vielas, palácios e pardieiros, apenas falar era embriagante, e todos bebemos o espírito dos tempos.
Como poderíamos ser causadores do holocausto futuro, quando lutávamos pela magia dos prodígios da mente, pela liberdade de colocar qualquer questão? Não éramos uma infecção, não éramos fanáticos – éramos o inimigo de todos os dogmas – e a revolução não era uma religião, era um trovão, uma fuga prisional das muralhas em ruína de um império moribundo em direcção a campo aberto. Éramos os libertadores da espécie humana. Como poderíamos ser os causadores no napalm e da bomba atómica, escravatura, genocídio, e um planeta esventrado para lucro e tesouro?
INTERVALO PARA A DIALÉCTICA
Vivemos numa era metafísica
Física, porque até o invisível é material
Matéria em movimento, um oceano infinito de repetição e mudança
Meta-física, porque nunca vemos as coisas como elas são
Vêmo-las como as criamos
O que não é fazer-de-conta
É fazer-acontecer
E o acontecimento é a forma de ver
Até ser um hábito que se transforma na forma de não vermos
Não vermos o novo
Nem pensarmos na possibilidade do novo
Mas um divide-se em dois
É a dialéctica
Por exemplo…
Posso levar a sua cadeira?
A metafísica diz – a cadeira está lá
Eu sei que está lá, porque quando me sento
(senta-se)
O meu rabo não cai no chão
A metafísica diz – a cadeira está lá
A dialéctica diz –sim, está lá
Por outro lado
(pontapeia a cadeira)
Não, não está!
Tudo se divide em dois porque tudo vai e vem
Nem cá nem lá, mas sempre ao caminho
Olhamos para o mundo e vemos objectos a flutuar no espaço
Mas realmente não há espaço vazio, nem objectos absolutamente indivisíveis
Tudo é processo, movimento e tempestade
Um divide-se em dois
O velho e o novo
O moribundo e a luta para nascer
É a dialéctica
DE VOLTA AO ILUMINISMO
Nascemos num mundo de círculos, amarrados na tradição, vergando-nos por obrigação aos que estão fora, acima do nosso círculo, que sempre estiveram num círculo superior. Venero-os, vocês veneram-no, ele venera o senhor, o senhor venera o rei e todos veneramos o deus ou o diabo, não importa bem qual, dado que até o inferno está nos círculos.
E num mundo como este, a propriedade era quase democrática
Porque não era propriedade verdadeira até a poderem retirar
Por qualquer – de qualquer – a democracia do dinheiro
A propriedade era individualidade
A propriedade aboliu fronteiras
A propriedade era a atómica
Multiplicada infinitamente
A propriedade era possibilidade
Não há comércio sem propriedade
Nem viagem de país para país
Sem propriedade não há geografia
Quando descobrimos que os produtos da mente podiam ser transformados em propriedade
Camponeses que tocavam violinos para o gosto do senhor e da senhora
Tornaram-se compositores, criadores de música impressa que podia ser comprada e vendida
Até as ideias se transformaram num novo tipo de ouro
E o que se poderia comprar com isso?
Liberdade
A liberdade de coisas
No mercado das ideias
Há quem argumente
Que a ciência e filosofia verdadeiras
Começaram com dinheiro
Que a ideia de uma substância universal
Não tinha sido apenas sonhada
Tinha sido inventada
O dinheiro tornou-se facto
Depois tornou-se uma ideia
Só depois perguntaram
Se qualquer coisa pode ser medida em dinheiro
O que é que o dinheiro mede
E assim começou
A busca por uma cola universal
Que nos ligaria
Mas um divide-se em dois
E se o dinheiro é a medida
Também deve ser verdadeiro
Que qualquer coisa pode ser decomposta
E contada
Como propriedade
Livros
Propriedade
Música
Propriedade
Vacas
Propriedade
Pães
Propriedade
Homens
Propriedade
Mulheres
Propriedade
Deveríamos ter sabido
Que se tudo pode ser medido em dinheiro
A propriedade não é posse
É ser possuído
MERCADO BESTA
(O Capital, capítulos 1-4)
Se eu fosse vivo
Seria o teu maior amante
Construir-te-ia cidades, alimentaria os teus filhos
Encheria a tua vidaa com música e dança
Cobriria a terra de searas de trigo e arrozais
Furá-la-ia até ao núcleo para extrair fios de aço e petróleo
Rasparia os céus com areia do deserto derretida em vidro
Arrefeceria o quente, aqueceria o frio, encantaria o peixe dos oceanos
E ensinaria as árvores para se alinharem e chover maná
Multiplicar-te-ia
Se eu fosse vivo
Ensinar-te-ia o significado de inferno
Assolar-te-ia com guerra, arrancaria as crianças dos teus braços
Engoli-las-ia com fome, silenciá-las-ia por asfixia
Secar-te-ia as lágrimas com morte
Ensinar-te-ia a temer o próximo
Treinar-te-ia a marchar
Até poderias acreditar em mim
Não é assim que um deus ferido amaria?
Com gentileza e presentes, presentes maravilhosos
Misturados com pedaços de crueldade implacável
E se a minha crueldade é à escala global
Também são os meus presentes
E o melhor presente de todos, fá-lo-ei através de ti
De que outra forma poderia ser? Tu fizeste-me. Agora eu faço-te
Eu sou a lei do valor
O livro-razão do lucro e o prejuízo da terra
Nasci no fosso entre o que podem fazer
E o que tu vales
Olha em redor
Podes fazer milagres
Mas o que vales…
Quanto comes
Se vives numa casa ou na rua
O que é preciso para te criar e substituir
Isso, ninguém te pode tirar
E ainda deixar-te a ti
Além disso, tudo é admissível
Além disso, é proveitoso ter um escravo
Além disso, quanto mais fazes, mais há para roubar
Até tu, que produzes a comida, tornas-te na refeição
E os prodígios que criaste
Tornam-se numa maldição, tornam-se numa praga
Tornam-se numa matilha de lobos uivantes
Mas que se move em trenós
E és tu quem puxa as rédeas
E as chicotadas – sou eu – eu sou o chicote
Mas os lobos pensam que controlam e
Rosnam e chicoteiam-se enquanto te transportam
E tu avanças
E o que deixas para trás é um rasto de sangue
Eu sou o furação que te sopra através da vida
A necessidade de lucro, o chicote do mundo
Eu sou medido em dinheiro, mas não sou dinheiro
Sou cada bem transaccionado mas não sou físico
Sou cada ferramenta mas não sou útil
Sou tu, o teu suor, o teu tempo, a tua mente
Que foram roubados de ti e condensados num fantasma
Não um espírito maligno mas um princípio abstracto
Codificado nas ranhuras do hábito e do material
Eu peso o mundo e determino o que é valioso
O que conta
E acontece
Sobre um número de transacções individuais quase infinito
Engulo e digiro toda a excepção, quero a regulação
Sou o preço de tudo, sou a religião universal
Sou a lei
Sou deus
Matem-me
Ou serão meus para sempre
Pai Natal
Imagina que eras um velhinho porreiro que adorava crianças
Verdadeira e profundamente
Adorava cada batimento do seu andar de tic-tac, e a sua conversa atabalhoada, e a sua borboleta feita de mel e pasmo e fome sedenta que zumbe troa sussurra
Dão-te a mão com tudo, e o teu coração balança…Dêem-me um ponto de apoio e moverei o universo, reduzi-lo-ei ao brinquedo perfeito para iluminar o sorriso do teu Eu…dar-te-ia tudo. Imagina isto, multiplicado por cada sorriso recém-nascido num mundo de desgosto – se pudesses ser Pai Natal para cada rapaz e rapariga. Imagina uma oficina mágica alimentada pelo piscar de olhos, indecisão quântica, e calão de renas, cada gnomo nas onze dimensões, drogado e tresloucado, mas a trabalhar com precisão maníaca, um motor mesmo-a-tempo [just-in-the-nick-of-time] (daí chamarem-te Saint Nick), e no trenó um saco suficientemente grande para carregar o seu peso em desejos. É isto! O minuto impossível e delicioso em que cada criança no planeta recebe cada presente perfeito que diz isto é o teu mundo – e tu fazes parte dele
Imagina que poderias fazer esta coisa maravilhosa
Mas que seria a única coisa que pudesses fazer em todo ano
E os brinquedos seriam usados esgotados e partidos
E isso seria bom, como deveria ser, foi por isso que os construíste
Os brinquedos são feitos para serem partidos, não as crianças
Mas nos dias rasgados pela guerra do resto-do-ano, os nomes mudariam mas seria sempre o reinado de Herodes, e os seus soldados iriam de porta em porta com espadas ensanguentadas, enquanto todos trabalhavam entre lágrimas e terror, sabendo que nunca conseguiriam endireitar, por muito mágica que fosse essa noite perfeita
O que farias?
Continuarias a trabalhar
Mesmo que só pudesses dar aquele minuto perfeito
É melhor que nada, e quem pode discutir com a aritmética
Ou enlouquecerias com o peso da raiva e dor
Sentir-te-ias responsável, sentir-te-ias como um ladrão
Vivendo uma vida tão boa, cheia de trabalho árguo bem conseguido
Quanto tantas crianças vivem no inferno
Algumas pessoas não se contentam com o que têm
Dêem-lhes um minuto e querem eternidade, nunca ficariam contentes se existir um farrapo de crueldade, enlouquecem com a ideia de uma criança morrer desnecessariamente, não descansam, mexem-se, fazem, cada vez uma diferença maior, fazendo TUDO diferente
Estes são os Pais-Natais loucos que nunca desistem
Pais-Natais loucos de amor
Os Pais-Natais loucos levantam-se de manhã cedo, botas de trabalho, marcham para o campo, para a rua, apanham pancada, ripostam, levam tiros, não param, vivem a vida em ligação directa
Os Pais-Natais loucos são perigosos, mas o mundo é perigoso
Algumas pessoas têm que ripostar sempre que vêem os fracos atacados
Vivem como paladinos no exército dos que nunca-tiveram-hipótese
Alguns pegam na arma
Alguns vivem como santos
Todos são alimentados por amor
Todos cometem erros
Alguns dizem que precisamos de mais minutos mágicos, que é o melhor que podemos fazer
Mas eu acredito que temos que almejar a eternidade, nós temos que ser
Pais-Natais que nunca desistem.
Pais-Natais enlouquecidos de amor
Sansão
Alguma vez desejaram ser como Sansão
Cabelo crescido de novo
Grande e forte de novo
Entre os pilares
do certo e do errado de novo
Um empurrão enérgico e depois
Ruindo tudo
O fim de um mundo de pesadelo
No qual bebezinhas são mortas
Pelo crime de nascerem com o sexo errado
No qual raparigas e rapazes recebem armas em vez de brinquedos
E são obrigados a lutar e morrer pela luz
Que é roubada dos seus olhos, cortada à medida
E colada num alfinete de gravata de diamante de um banqueiro de Wall Street
Sim, talvez o chicote e o navio de escravos africanos
Foram substituídos pela fita perfurada e pelo micro-chip
E pernas rebentaram da fábrica exploradora
Que aprendeu a atravessar fronteiras
Mas cada nova ordem mundial é a mesma cantiga
Em que os ricos têm direitos e os pobres são enganados
E o director e o senhor da droga
E o traficante de armas e o político curandeiro renascido na fé
Cantam todos no mesmo coro
Gingando no mesmo clube
És baptizado no fogo
Eles vêem os seus pecados ser lavados
Em petróleo e dinheiro e sangue
Alguma vez se sentiram como Noé antes do dilúvio
Rezando para que um deus de vingança
Dissesse – Chega
E arrastasse esses sacanas para longe
Alguma vez se sentiram como Hércules
Enviado para matar o animal com muitas cabeças
Mas cada vez que cortam uma cabeça
Zás!
Crescem mais duas
Alguma vez sentiram que tinham tanto amor reprimido
Mas que não o conseguiam exteriorizar, mandá-lo para fora
Tiveram que manter um silêncio gélido
Para não explodir em violência irreflectida
Como uma banda-desenhada da Marvel
Sabendo que o planeta está preso e sufocado
Procurando um poder que o possa libertar
Procurando por uma arma que o solte
Olhem para todo o amor que têm dentro de vós
Deixem-no ser o fogo que vos incendeia
Vivendo num mundo de violência
Mas o poder é amor e a arma é…
Ciência
É perigosa,
Traz mudança, e
Abre possibilidades
Mesmo o solo por baixo dos nossos pés não
É tão sólido, não é tão seguro
Queimaram cientistas
Porque tinham medo do que faríamos
E sabem que mais? Eles estavam certos
Podemos fazer dia da noite
Podemos transformar escuridão em luz
E a energia que alcança as estrelas
E ao átomo e ao tempo
Consegue ligar uma moeda
Vejam o fecho nas grades da prisão
Mantêm-nos encarcerados
É um poder que cresce de era para era
Do trabalho da mão para o trabalho do cérebro
Pensamos e fazemos e sonhamos e construímos
E aprendemos a partir de cada erro
E todas as nossas conquistas e tudo o que se sabe
É construído nos ossos do que veio antes
É válido no estudo de pedras, estrelas, biologia e sociedade
Quando os poderes desprezam a nossa história
A nossa vitória e derrota no laboratório da rua
Não só estão a roubar dos vivos, mas também dos mortos
De tudo por que eles lutaram e sangraram e morreram
Dos becos de Paris à tomada do Palácio de Inverno
Dos campos de cana do Haiti ao arrozal do Vietname
Das praças Tiananmen e Tahrir
Do Malcolm ao Marx, dos Mau Mau ao Presidente Mao
Estes são os nossos ossos, os nossos degraus para o amanhã
E os vampiros modernos tentam sugar a medula
Do conhecimento e da visão e da coragem que vêm com eles
Mas vós que lutam por um mundo que não é comprado nem vendido
Onde apenas no coração humano se encontra o ouro verdadeiro
Terão que ser guerreiros com cabeças velhas
De sabedoria e jovem de fogo
Oh, minhas irmãs, oh, meus irmãos
Não acreditem nos mentirosos
O que fazer
a revolução não virá até entrar no coração
até cada crueldade e injustiça
não interessa feita a quem
é sentida como se fosse feita a nós próprios
até estardes nus, abertos
feridos por cada grito de sem-abrigo
uma mãe para cada criança faminta
um nativo para cada tribo
naufragado na chama da floresta
engolindo fumo e lágrimas de raiva
correndo do trovejar de uma arma de helicóptero
a revolução não virá
até que a as vossas costas doam
e que o sol vos queime
e que a dor vos quebre
até que cada minuto da vossa vida doa
E o fruto maduro caia na terra
porque os vossos dedos e os vossos ossos e o vosso cérebro estão adormecidos
a revolução não virá
até que cada carro policial esteja à vossa procura
pelo que são, não pelo que fazem
e vocês estão na terra, marcados
pela pronúncia errada, a côr de pele errada
a sexualidade errada, a língua errada
demasiado gordos, demasiado magros, demasiado velhos, demasiado novos
a revolução não virá
até andarem na rua, carregando semente não desejada
condenados a procriar por homens que vos chamam rapariga
e se julgam donos do mundo
até vós fixarem a cara cheia de ódio de um violador empurrando contra ti
quando cheirarem o seu bafo, sentirem o beijo rançoso
quando o vosso estômago se contorce em raiva e desgosto
quando puderem sentir tudo isto como se fosse a vós que fosse feito
– não chega
porque a revolução não virá até que vos faça sábios
tanto faz que odeiem a injustiça
tanto faz que estejam dispostos a morrer pela mudança
não chega ser corajoso, nem para amar
até que o amor desemboque em sabedoria, quando uma carga se torna empurrão
então aprendem a ler livros e caras
estudam o que é género e raça
olham para a ciência e para a economia
para cada classe e grupo na sociedade
estudam o passado mas não vivem nele – nem o adoram
não vasculham o entulho de um deus perdido para acreditar nele
lêem história sem um ferro de marcar, mas com um maçarico
não são um rei, não são um padre
não estão a cantar no mesmo coro
são o fogo que arde através da história
a vossa genealogia é escrita nas cinzas de
aldeias queimadas, escravos crucificados
tecelões, acorrentados aos seus teares
hereges, queimados nos autos-de-fé
gritando a verdade
quantos milhares de anos de luta
para o nunca-suficiente, uma
classe e outra classe ascendendo ao cimo e
batendo todos os outros com
leis e religião e balas quando vocês não ouvem
quantos milhares de anos de sistema após sistema
e sempre a mesma divisão fundamental
vocês trabalham, eles mandam
mas vocês são mais que uma ferramenta falante
deixem a revolução ser a vossa escola
estudem as ligações
e começarão a ver que as cadeias da escravatura
também são cadeias de poder
que vos ligam
a um exército de despojados
e é um exército que precisarão
porque a revolução não virá até te ter feito forte
o poder é bom
tentem viver sem ele
mas sem dúvida que se divide em dois
o poder de ganhar e o poder de perder
o poder é apenas o poder da escolha
só vale de acordo com a forma como o usam
mas nunca esqueçam
não estão a mendigar misericórdia
estão a lutar por poder
como irão libertar-se dos hábitos incorporados de uma vida
como ganharão controlo das vossas próprias mentes
como provocarão uma reacção em cadeia
e se ganharem, como irão combater os exércitos que virão para vos esmagar
e se ganharem, como alimentarão o mundo
e se ganharem, como conseguirão – como irão libertar o mundo
sejam líderes que sabem ser conduzidos
sejam professores que sabem ser ensinados
a revolução é guerra – tem que ser combatida
eles têm as armas e a comunicação em massa
vocês têm o poder para o povo que resulta da organização
vocês têm o poder para o povo
mas acreditem que eles odeiam isso
se lhes derem oportunidade eles o quebrarão
sabem que só vale enquanto o foram fazendo
vocês têm o poder para o povo
estão prontos para o tomar
ACERCA DO AUTOR
David Lee Morgan viajou no hemisfério Norte como músico de rua (saxofone) e performer de poesia. Ganhou muitos concursos de slam, incluindo o London and U.K. Slam Championships. É um membro do antigo Writers Guild e tem um doutoramento em Escrita Criativa na Newcastle University. Vive em Londres, cresceu nos Estados Unidos da América, nasceu em Berlim e considera-se um cidadão do planeta.